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Povo não come PIB

A sofisticada engenharia econômica não capta a vida concreta do brasileiro comum que ganha salários muito baixos, endividado até o pescoço.

Por *Ranulfo Vidigal

O título do presente artigo retrata uma fala recente da decana da economia brasileira Maria da Conceição Tavares, para quem os economistas não podem se acomodar às regras do jogo pesado do capitalismo hiper tardio brasileiro e buscarem sempre sugerir aos dirigentes, políticas públicas que reduzam/combatam a forte desigualdade de renda e propriedade que assola o nosso país tão rico em biodiversidade e forças produtivas.

Somos uma economia semiperiférica produtora de matérias alimentares, petróleo, minério de ferro e ainda contando com um parque industrial que soma 9% da oferta de bens.

A contribuição do agronegócio e da mineração se cristalizam na existência de um estoque de reservas cambiais expressivo. Isso, no entanto, não nos livra dos solavancos da política monetária americana, de sua taxa de juros e da gestão da riqueza lastreada na moeda reserva preferida pelo mundo – o dólar.

Há no mundo uma hierarquia entre as moedas circulantes, dado que fatores como padrão de tecnologia e gasto militar influem na chamada preferência pela liquidez do elevado estoque de ativos fictícios flutuando eletronicamente, dia e noite, nos diversos mercados ao redor do planeta.

Não custa lembrar que o dinheiro é riqueza potencial, promessa de enriquecimento, mas também algoz do fracasso.

O Banco Central brasileiro, que ainda pratica uma política monetária ultra contracionista, em comunicado recente ao mercado, (este composto de apenas 100 grandes investidores, corretoras, bancos e fundos) praticamente, culpa a recuperação do emprego e a tênue melhoria dos achatados salários brasileiros por uma potencial inflação futura.

Com isso sinaliza aos detentores de riqueza líquida que vai parar a queda da SELIC proximamente!

O raciocínio embutido nesse mantra é a preocupação com o “Produto Potencial”, uma construção que se propõe a definir trajetórias que combinem pleno emprego dos fatores de produção e inflação dentro da meta de 3% ao ano.

Outro conceito importante para entender esse comunicado é o “Hiato do Produto” – indicador da posição relativa da economia. Imaginam os senhores do BC que estamos, rapidamente, transitando da subutilização de recursos econômicos para uma economia aquecida/superaquecida suscitando pressões sobre a taxa de inflação. Como assim?

Vamos entender bem. A teologia do equilíbrio no raciocínio dos engravatados do BC decreta o seguinte: não mexamos na demanda, porque tudo se resolve, apenas, pelo lado da oferta agregada de bens e serviços na economia. O problema é que a expectativa empresarial mede lucros futuros potenciais em comparação com os juros correntes.

Aí fica límpido que o problema é que essa engenharia sofisticada não leva em condição a vida concreta do brasileiro comum ganhando salários muito baixos, endividado até o pescoço e vendo o filho estudar, se qualificar e não ter oportunidades produtivas.

Resumo da ópera: O Brasil real está a quilômetros de distância das equações monitoradas pelos iluminados do BC que, com sua SELIC caríssima, trava o potencial da economia.

*Ranulfo Vidigal – economista

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