Publicidade

Sociedade apresenta novas ideias para salvar Ao Livro Verde

Propostas envolvem desde apoio do poder público a criação de um clube. Na segunda-feira (14), a livraria será tema de uma audiência pública na Câmara Municipal de Campos

Com uma audiência pública já marcada na Câmara Municipal de Campos na próxima segunda-feira (14) para tratar sobre o risco de fechamento de “Ao Livro Verde”, especialistas em diversas áreas já debatem projetos, ideias e perspectivas para salvar a livraria mais antiga do país, que fica no Centro de Campos.

CONTINUE LENDO APÓS A PUBLICIDADE

Grupos têm apresentado soluções para o empreendimento, apontando a necessidade na gestão de negócio. As dívidas acumuladas pela livraria, segundo apresentado por seus atuais proprietários, somam R$ 1.886.264,91. A solução seria a aproximação do poder público? A responsabilização do setor privado? A realização de uma parceria entre ambos? A entrega do negócio às entidades que têm consciência do valor histórico da livraria? Notícia 1 promoveu mais uma rodada de opiniões, ouvindo especialistas em diversos segmentos.

Raul Palácio (reitor da Uenf) – Na verdade, como tudo na vida, a gente precisa também do processo de modernização. Para modernizar a Ao Livro Verde, ela vai precisar de recurso, que pode vir tanto da iniciativa pública quanto da iniciativa privada. Mas é importante a gente salvar a nossa história. E certamente Ao Livro Verde faz parte da história das livrarias do Brasil. Do conhecimento, da oferta de livros, da oferta de conhecimento. Então é uma batalha importante.

É uma batalha necessária, mas que passa obrigatoriamente por uma modernização do espaço. A gente precisa ver o que pode ser feito para poder tornar totalmente atrativo e economicamente viável esse empreendimento. Lembrando que nós temos no Brasil o fechamento de muitas livrarias.

É uma pena que a gente venha gradualmente perdendo ou fechando livrarias importantes aqui no Brasil em função também da utilização ou da entrada da era digital dentro do processo. A gente precisa que pessoas que trabalhem nessa área – de modernização, adequação de espaços, de marketing – deem a sua opinião de como tornar aquele espaço ainda mais atraente e necessário para a sociedade.

CONTINUE LENDO APÓS A PUBLICIDADE

José Luiz Vianna da Cruz (pesquisador, articulista e professor da UFF) – Não há uma solução simples para o caso da Ao Livro Verde, primeiro devido à natureza do problema. É uma dívida de quase R$ 2 milhões que, no limite, pode ser renegociada e diminuída para algo em torno de R$ 500 mil, talvez. E, seja qual for o montante, tem que encontrar quem cubra esse valor e libere ela das dívidas e evite a falência.

E aí essa solução da dívida depende do formato que se quer dar. Que hipóteses eu vejo? Primeiro pode ser um equipamento público municipal ou também com recursos do Ministério da Cultura, de editais que a mantenha como livraria, mas também como equipamento cultural. Ou seja, ele seria palco de vários eventos ligados à literatura e às artes de modo geral. Mas isso depende de ter um poder público sensível a esse perfil; e também de ter uma sociedade civil, organizações dispostas a serem parceiras na gestão, na curadoria, para garantir que seja um equipamento cultural acessível, frequentado, que dialogue com a cultura e história de Campos, que dialogue com a produção cultural.

Para mim, ele só vai sobreviver como equipamento público se for amplo, cobrir várias áreas; se ele for ultradinâmico e ultra-sintonizado com o que há de cultura viva na sociedade. Senão, com o tempo, vai ficando caro, não se paga, não se sustenta e morre.

Se fosse privado, só mesmo nos moldes das livrarias que estão conseguindo sobreviver. Elas têm o sistema online, são supermodernas e ágeis. Têm cafeterias. A maioria delas tem um espaço para as pessoas trabalharem remotamente no computador, estudar, ler. Porque isso, de certa forma, mantém um contato diário com a livraria e acaba produzindo consumidores de livros. Mas esse modelo não é barato para o público, e acho que não tem mercado em Campos para uma livraria desse tipo. Até porque teriam outros espaços que concorreriam com a livraria e não permitiriam que ela sobrevivesse.

CONTINUE LENDO APÓS A PUBLICIDADE

Mas, de qualquer forma, acho que a única maneira de sobreviver também é ter, lá dentro, algo voltado para a produção de Campos e região. Ter cafeteria sim, teria que ter. Para durar no tempo, uma boa parcela dele tem que viver de coisas que podem ser consumidas. E teria que ter vendas online e eventos. Em qualquer modelo desse, só sobrevive hoje se tiver venda de produtos simbólicos, históricos e artístico-culturais. De produções campistas – de arte e cultura, como nas livrarias de museus – mas enraizados.

Graziela Escocard (pesquisadora e coordenadora do Museu Histórico de Campos) – No momento, diversas ideias de como salvar Ao Livro Verde aparecem. No entanto, poucas são as resolutivas. Temos que pensar no patrimônio histórico independente de seu proprietário.
Como dar continuidade à livraria mais antiga do Brasil? A dívida é do proprietário. Assim sendo, é de sua responsabilidade arcar. Já a livraria é tida como bem de todos, e não podemos perder mais nenhum patrimônio histórico da nossa cidade, que já anda conhecida como “a cidade do já teve”. Já tivemos o Monitor Campista (terceiro jornal mais antigo da América Latina), o antigo Teatro Trianon e a extinta Santa Casa de Misericórdia de Campos. Se não for feito nada, a Livraria Ao Livro Verde irá entrar para essa lista.

Manifestações em defesa da livraria estão surgindo. Existe uma petição pública, e na próxima segunda-feira a Câmara Municipal irá realizar uma audiência pública como forma de consultar ideias para salvar Ao Livro Verde. Acho que esse é o caminho, pois Ao Livro Verde é um patrimônio de todos. Portanto, a população de maneira geral precisa emitir sua opinião acerca da preservação deste estabelecimento.

Confesso que acho difícil apontar uma saída que venha surtir efeito na atual conjuntura. As livrarias em todos os países sofreram consequências com a tecnologia. Portanto, ao dar continuidade a uma livraria, é preciso pensar não só no apoio do poder público local, mas de outras iniciativas oriundas de parcerias entre empresas privadas.

A livraria também precisa acompanhar as novas formas de comercialização de seus produtos e de criar uma interação maior com o público via redes sociais. Sua sede é um local histórico e muito agradável. Se fosse possível desapropriar o prédio e instalar uma galeria de arte, a cidade de Campos iria ganhar muito. Para isso ocorrer, basta criar uma mobilização maior de toda a população, um engajamento de diversos setores. Vejo isso ocorrendo, mas a adesão ainda não é em massa.

Patrícia Bueno (jornalista) – Temos o privilégio de ter a livraria mais antiga do Brasil em funcionamento e penso que, para manter as portas do estabelecimento abertas, seria necessário atrelar o local a um espaço onde se respirasse cultura. Para além dos livros didáticos, um lugar que facilitasse o acesso a obras literárias e, ao mesmo tempo, fosse cenário de encontros e eventos que promovessem o debate sobre as produções de autores regionais.

A queda na procura por livros físicos é fato. Foi assim também com os jornais impressos. Então, penso que a venda desse artigo, por si só, não garantiria o sustento da livraria. Esse espaço cultural teria como parceiros a iniciativa privada, o Sistema S, por exemplo, e – por que não – o próprio poder público? Não seria um gasto, e sim um investimento. Uma cidade que se preocupa em preservar seu patrimônio, seja ele material ou imaterial, dá exemplo de civilidade e consciência. Quando falamos em uma livraria centenária, o conceito de preservação ganha ainda mais destaque. Que possamos virar a página do descaso com nosso passado, nossa própria identidade.

Ranulfo Vidigal (economista, consultor e mestre em políticas públicas pelo Instituto de Economia da UFRJ) – Estamos diante de um fenômeno de caráter internacional, ou seja, a compra de livros via internet fragiliza as pequenas livrarias de cidades pequenas e médias. A campanha comunitária é um exercício positivo do papel da sociedade civil em defesa de instrumentos tradicionais de acesso ao saber e só patrimônio cultural da cidade.
Quanto ao papel do poder público na gestão de um bem privado, na forma da lei isso é impossível de atuação direta. Indiretamente, ele pode promover a recuperação do Centro Histórico, dando dinamismo ao polígono histórico, como planejado pela Secretaria de Planejamento Urbano do Município.

Ao público bravamente engajado nesta vitoriosa campanha, sugiro a criação do Clube Ouro da Livraria Ao Livro Verde, garantindo a aquisição mensal de livros e demais serviços culturais mediante a promoção de debates sobre literatura, história, economia, política, mudanças climáticas, trazendo especialistas para lançar livros em nossa cidade. Os exemplos que tenho como referência são a Livraria da Travessa, no Rio, e a Lavra Palavra, em São Paulo. Estas promovem debates e cafés para incrementar e garantir sua sobrevivência em bases privadas.
À Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, cabe apoiar – dentro de sua realidade orçamentária e com recursos materiais e humanos – as iniciativas inovadoras elaboradas e planejadas pelos integrantes do Clube de Ouro da Livraria Ao Livro Verde, cujo corpo de assinantes pode conter pessoas físicas e jurídicas.

Cristina Lima (ex-presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima) – São muitas as questões envolvidas neste contexto. Fica difícil para nós, que não somos envolvidos com essa parte comercial da história, darmos uma opinião oportuna. O que temos visto acontecer é uma série de segmentos comerciais também não conseguirem sobreviver por causa das mudanças tecnológicas – infelizmente uma realidade com a qual temos que lidar.

Eu, particularmente, tenho uma relação muito próxima com Ao livro Verde porque meu pai [jornalista Oswaldo Lima) era uma pessoa que frequentava diariamente a livraria. Ele dizia ‘estou indo bater o ponto lá na Ao Livro Verde’. E, muitas vezes, ele ia pela manhã e ia à tarde. E como ele tinha verdadeira adoração pelos livros, isso não era difícil de acontecer, essa proximidade. Ele, inclusive, antes do livro ser lançado na livraria, era ouvido. Tinha essa proximidade com os proprietários também, com os sócios. Não só ele, como o jornalista Hervé Salgado Rodrigues e José Cândido de Carvalho também.

Meu pai nos dizia que, através do livro, nós ganhávamos o mundo. Foi uma frase que nunca esqueci. Imagino o quanto ele estaria chateado, se vivo fosse, e estivesse assistindo a esse fechamento. Mas eu vejo que os questionamentos das pessoas sobre a perda de mais este patrimônio é algo positivo. Essa união da sociedade civil, das instituições, é muito válida. É uma luta que a gente esperava ter até em outras ocasiões e que não teve. É uma luta difícil, mas não inglória. Não saberia dizer o que o poder público pode fazer para salvá-la, em se tratando de uma livraria particular. Mas, de qualquer forma, existe a possibilidade de ele participar dessa luta, mesmo que não seja de uma forma financeira. Fomentar algum tipo de ação que transformasse a livraria em um lugar que as pessoas tenham prazer em frequentar

Carlos Eduardo Rezende (pesquisador e professor da Uenf) – Quando cheguei a Campos há 31 anos aproximadamente, eu reconheci nessa livraria um lugar extremamente importante para adquirir todo o material de escritório, material escolar das crianças, e acompanhei bem as diferentes fases da livraria.

O Brasil e o mundo vivem num momento de pasteurização da cultura e da redução das informações. Acho que, para tornar o ambiente da Ao Livro Verde atrativo, deveria ter livros de diferentes opções. Hoje também temos livros em formato digital. Mas devíamos ter no próprio ambiente, além daquele café que foi criado ali, um lugar onde as crianças pudessem interagir com diferentes materiais.

Acho que tornar aquele ambiente atrativo para as crianças, é restabelecer, é ressignificar Ao Livro Verde e trazer a juventude para um ambiente de leitura. O SOS Ao Livro é importante, mas a gente tem que criar naquele ambiente uma atração para aqueles que vão, no futuro, poder usufruir da cultura, da leitura.

LEIA TAMBÉM: Sete propostas para salvar a livraria mais antiga do Brasil

Publicidade
Publicidadespot_img
Publicidade

Posts relacionados

Publicidade
Publicidade